A obesidade é um distúrbio do metabolismo energético que ocorre pela interação de fatores genéticos e ambientais e acarreta graves repercussões orgânicas e psicossociais. Embora a predisposição genética à obesidade esteja bem estabelecida, a elevação do percentual de indivíduos com excesso de peso nas últimas 3-4 décadas, em populações geneticamente estáveis, mostra a participação importante do ambiente na gênese dessa doença. Fatores ambientais, como hábitos alimentares inadequados e estilo de vida sedentário, têm contribuído para o aumento da prevalência de obesidade em crianças e adolescentes de países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Segundo a International Obesity Task Force, 10% da população mundial, na faixa etária de 5 a 17 anos, está com excesso de peso. Cabe ressaltar que este percentual reflete a média global e que existe ampla variação dos valores de prevalência do excesso de peso nas diversas regiões do mundo, sendo abaixo de 10% na África e Ásia e acima de 20% nas Américas e Europa. No Brasil, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009) encontrou excesso de peso em 33,5% das crianças de 5 a 9 anos e constatou que houve aumento expressivo dessa prevalência nessa faixa etária ao longo de 34 anos. Em 2008-09, 34,8% dos meninos estavam com o peso acima do normal contra 10,9% em 1974-75. Observou-se padrão semelhante nas meninas, que de 8,6% na década de 70 chegaram aos 32% em 2008-09. Entre os adolescentes de 10 a 19 anos, o aumento de peso também foi contínuo nesse período. No sexo masculino ,a prevalência de excesso de peso passou de 3,7% para 21,7% e, no feminino, de 7,6% para 19% entre 1974-75 e 2008-09.
A criança e o adolescente já podem apresentar importantes consequências orgânicas da obesidade, como hipertensão arterial, dislipidemia, distúrbios do metabolismo da glicose, doença gordurosa do fígado não alcoólica, alterações osteoarticulares e apneia do sono.
A obesidade, iniciada na infância ou na adolescência, pode persistir na fase adulta e levar à diminuição da qualidade e da expectativa de vida devido ao desenvolvimento de co- morbidades associadas ao excesso de peso, como as doenças cardiovasculares e o diabetes mellitus tipo 2, entre outras.
Dados derivados de estudos longitudinais, em geral, mostram associação entre valores elevados de IMC na infância e obesidade na fase adulta. O estudo de Bogalusa, que seguiu uma coorte de 2.124 crianças e adolescentes de 5 a 17 anos até os 42 anos de idade, verificou obesidade em 66% e 87% dos adultos provenientes dos grupos de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade, respectivamente. A média do IMC, entre os adultos oriundos do grupo de crianças e adolescentes com sobrepeso, era de 32 kg/m² e, entre os que vieram do grupo de crianças e adolescentes obesos, era de 38 kg/m², e 39% dos indivíduos apresentavam IMC -40 kg/m².
O aumento da prevalência de obesidade nas últimas décadas, a gravidade das suas repercussões, as dificuldades para o seu controle e o alto custo para a sociedade fazem desse distúrbio nutricional relevante problema de saúde pública, que precisa ser combatido desde idades bem precoces.
A prevenção da obesidade já deve ser iniciada durante o período intrauterino, com a adequada nutrição da gestante. Segundo o conceito de programação metabólica, um agravo em fases críticas do desenvolvimento, que altera uma estrutura somática ou o ajuste de um sistema fisiológico, teria consequências na saúde do indivíduo em longo prazo. Há evidências científicas mostrando que a quantidade e a qualidade dos nutrientes recebidos pelo feto influenciam o seu desenvolvimento e o aparecimento futuro de doenças não transmissíveis, como obesidade, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares. Da mesmo forma, fatores nutricionais no primeiro ano de vida podem modular o risco para esses doenças.
O leite materno, exclusivo até os 6 meses de vida e complementado a partir dessa idade, é o alimento ideal para suprir as necessidades nutricionais do lactente e proporcionar crescimento e desenvolvimento adequados. Além disso, ele também funciona como proteção contra a obesidade devido a sua apropriada composição nutricional e por conter substâncias que participam da homeostase energética, como leptina, adiponectina, grelina, resistina, e obestatina.
Alguns estudos disponíveis na literatura observaram relação entre maior ingestão proteína nos dois primeiros anos de vida e valores mais elevados de IMC em fases posteriores da infância. A hipótese para explicar esse achado é que a ingestão excessiva de proteínas poderia aumentar a secreção do fator de crescimento insulina-like (IGF-1), e também de insulina, pelo aumento dos aminoácidos de cadeia ramificada, propiciando acelerado crescimento, aumento do tecido adiposo e maior risco para o desenvolvimento de obesidade.
Um estudo europeu, multicêntrico e randomizado, avaliou 1.138 lactentes saudáveis por 24 meses, sendo que 564 receberam fórmulas infantis de partida e de seguimento com menor teor proteico (1,77 e 2,2 g proteína/100 kcal), e 574, fórmulas com maior teor proteico (2,9 e 4,4 g/100 kcal), durante o primeiro ano de vida. Esses dois grupos foram comparados com 619 lactentes em aleitamento materno. Aos 24 meses, o escore Z do IMC dos lactentes que usavam fórmulas com menor teor proteico era mais baixo do que o encontrado naqueles que recebiam fórmulas com maior teor proteico e não diferia significantemente do valor encontrado no grupo em aleitamento materno. As fórmulas com maior conteúdo proteico foram associadas a maior IMC nos 2 primeiros anos de vida, mas sem efeito na estatura. De acordo com os resultados encontrados, autores desse estudo alertam sobre a possibilidade de aumentar o risco para o desenvolvimento de obesidade com a utilização de fórmulas infantis com alto conteúdo proteico, devido ao maior ganho de peso proporcionado por elas, e ressaltam que menor ingestão proteica, nessa fase, poderia diminuir esse risco.
Outro estudo, realizado com a mesma amostra de lactentes, avaliou a influência da ingestão proteica no perfil sérico de aminoácidos, assim como nas concentrações de insulina e IGF-1, e a possível relação com o crescimento nos 2 primeiros anos de vida. Aminoácidos essenciais, principalmente os de cadeia ramificada, IGF-1 e peptídio-C, relacionado à secreção de insulina, eram significantemente mais altos no grupo que utilizou fórmulas com maior conteúdo proteico do que no grupo com fórmulas com menor conteúdo proteico. O IGF-1 total associou-se de forma significante com o crescimento até os primeiros 6 meses de vida. Os autores do estudo concluíram que a ingestão das fórmulas com maior conteúdo proteico estimulou o eixo IGF-1 e a secreção de insulina desses latentes.
Na impossibilidade do aleitamento materno, as fórmulas infantis a serem utilizadas devem apresentar quantidade e qualidade adequadas de proteínas e fornecer um perfil satisfatório de aminoácidos ao lactente. Os resultados de estudos acima citados sugerem que o uso de fórmulas infantis com conteúdo proteico no limite inferior preconizado pelo Codex Alimentaris, no primeiro ano de vida, poderia contribuir para a obtenção de menores valores de IMC em fases posteriores da infância.
Outro aspecto que merece destaque, em relação à prevenção do excesso de peso, diz respeito à idade de introdução e à qualidade da alimentação complementar. A introdução precoce da alimentação complementar ( 4 meses de idade), especialmente dos alimentos sólidos, além de interromper o aleitamento materno exclusivo, leva a maior ingestão energética. Seach et al, encontraram associação entre a idade de introdução dos alimentos sólidos e o IMC na infância mais tardia. Acompanharam 307 crianças do nascimento até os 10 anos de idade e verificaram que o risco de sobrepeso/obesidade era reduzido significativamente a cada mês de retardo na introdução de alimentos sólidos.
As práticas e o consumo alimentar de 179 lactentes saudáveis, entre 4 e 12 meses de idade, foram avaliados por meio de estudo prospectivo, que analisou os registros alimentares de 7 dias consecutivos de amostra intencional, por cotas e ponderada, das cidades de Curitiba, São Paulo e Recife. A mediana de idade dos lactentes era de 6,8 meses (4,0-12,6 meses). Observou-se que 50,3% deles não estavam em aleitamento materno e a maioria recebia leite de vaca integral. A mediana da idade de introdução da alimentação complementar foi de 4 meses e de 5,5 meses para a alimentação da família. O estudo mostrou práticas inadequadas, como o consumo de bolachas, macarrão instantâneo, sucos artificiais e refrigerantes, que podem aumentar o risco para o desenvolvimento de obesidade e outras doenças crônicas, principalmente naqueles lactentes que já têm predisposição genética.
O pediatra tem papel fundamental na detecção de inadequações do desenvolvimento pôndero-estatural, desde os primeiros meses de vida. Assim, quando verificar aumento excessivo de peso em relação à estatura, deve fazer cuidadosa orientação nutricional para evitar o desenvolvimento da obesidade, porque, uma vez instalada, é muito difícil a reversão do quadro. Importantes medidas de prevenção da obesidade cabem ao pediatra, como a promoção do aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida e complementado a partir dessa idade e a indicação de fórmulas infantis apropriadas, na impossibilidade do aleitamento materno, assim como a orientação sobre a alimentação complementar adequada. Distúrbios da relação mãe-filho e da dinâmica familiar são fatores que precisam ser observados, pois podem contribuir para a instalação e a manutenção da obesidade na infância. O estímulo à prática de exercícios físicos, de acordo com a idade, e a restrição de atividades sedentárias também devem ser realizados, para que a criança adquira estilo de vida mais ativo e saudável.